quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Da difícil arte de amar

Ontem fui à ginecologista levar bronca pelo tempo que passou e que eu não levei os exames de rotina (fiz, tava tudo ok, deu preguiça yadda yadda). Minha médica é maravilhosa mas tem o defeito de atrasar demais. Por isso sempre peço o primeiro horário, mas ontem não foi possível, e como estaria de folga, fui preparada pro chá de cadeira.
Instalada na sala de espera, reparei numa mãe com uma menina de uns 10-12 anos. Ela estava deitada  no colo da mãe e imaginei que estivesse doente e que fosse consultar a pediatra, que fica na sala em frente.
O tempo passando e reparo melhor na menina. Que é linda do tipo futura-Gisele-Bundchen. Mas está lá deitada, se mexendo o  tempo todo, com o dedão na boca. Inteiro. Em certo momento ela tira e vejo os dentes, tortos, pra fora, de quem chupa o dedo a vidinha toda. Rapidamente me vem um pensamento reprovador na cabeça. Como que essa mãe deixa a guriazinha com o dedo na boca?
Mas rapidinho cai a ficha. A menina é uma DM. Deficiente mental.
Passei minha infância convivendo com adultos e crianças DMs: minha tia era professora de surdos-mudos e diretora da Apae da cidade e minha mãe, vanguarda, já acreditava em inclusão. Volta e meia eu passava um dia, ou ia numa festa da Apae.
A menina do consultório começou a ficar impaciente. Pegou uma revista e jogou na escada. A mãe a fez catar, mas foi junto. Deu bronca. Mas já a abraçou, como para compensar. Nessa breve caminhada pude verificar que se trata de uma DM severa, tecnicamente falando: tem um retardo mental bem grave. Não fala quase nada. Passou a reclamar pra mãe. "Sissi", falava. Foram umas quatro vezes ao banheiro.
Estavam esperando, na verdade, a minha ginecologista. A menina provavelmente estava com uma infecção urinária. Foram atendidas e fiquei pra depois. Entrei e, conversando com a médica, meio que dando uma indireta nela, comentei como a menina estava impaciente e como seu caso (mental) parecia grave. A dra. só comentou "é, menina, e a gente acha que tem do que reclamar".
E o que me faz chorar sobre isso, de repente, quando lembro da mocinha com o dedão na boca, é que pra mãe dela, ela é perfeita. Vê-se no carinho do abraço. Imperfeito é o mundo, que não tem lugar pra ela.

6 comentários:

Rita disse...

Ai, Tina. E eu venho ler seu texto nessa semana de crises por ver meus filhos na ilha de felicidade deles, enquanto tanta criança mundo afora passa a infância inteira sem conhecer uma demonstração de afeto. E, do jeito que der, meus pensamentos hoje, a partir de agora, vão para a mãe dessa criança. E meu abraço vai pra você, tá?
Rita

Caminhante disse...

Lindo texto, Tina, não tenho nem o que acrescentar.

Lu disse...

menina, um dia reclamando com uma vizinha nova que Rafael tem problemas graves na escola por conta de dislexia e tdah, ela me diz: isso tem jeito, não se preocupe. Depois é que fiquei sabendo que o filho dela é autista grave. :/

Josianne disse...

Me fez chorar. Feliz Natal para vc e todas as mães deste mundo. Bjos

Vivien Morgato : disse...

É bem complicado mesmo, Tina.
Tive alunos com diversas necessidades especiais e, infelizmente, não havia espaço para eles na escola tb.
Sempre defendi um trabalho desenvolvido com alunos, no sentido de efetivamente haver a inclusão....e não um sucedâneo da mesma.
Beijos pra vc.

Mãe Carinho disse...

Concordo ctg, as vezes não prestamos atenção nas pessoas, reclamamos de tudo e todos..
Quando um dos nossos filhos tem uma dorzinha, dramatizamos, mas esquecemos que a dor passa, que daqui a uns dias já não tem nada..
E quem tem filhos com DM..é para sempre..Graças a Deus não sei dar valor mas imagino que seja uma dor permanente..Grandes MÃES!
bjs