Deturpando o meme da Mari Biddle (vale a pena ler) de 9 coisas aleatórias, vou contar 9 situações patéticas, ridículas ou lamentáveis pelas quais passei quando trabalhei com reportagem de política. Considere o relato uma prestação de serviço no sentido de mostrar a ausência de glamour dessa profissão. Porque a editoria é nobre - a principal de todos os veículos, praticamente - mas mesmo em época de campanha é preciso rebolar pra achar assunto. E é aí, quando todas as polêmicas já foram destrinchadas, com box de "entenda como", fotos e outros lados, quando os releases já foram editados, e ainda resta uma página inteira pra preencher, que o bicho - mais especificamente, o mico - pega.
1) Caça à notícia
Plena campanha, caderno inteiro pra encher de notícia relevante sobre candidatos nem tanto, eu ia com o fotógrafo pra Boca Maldita, na Rua XV - o centro nervoso (ui), diria histérico - da cidade, onde ficam as bancas de candidatos, onde eles aparecem pra apertar mãos e fazer fotos. Naquele dia, nada de interessante acontecendo. De todas as estratégias pra chamar atenção do eleitor, me deparei com a mais inusitada. Uma casinha de bonecas, daquela em que cabem no máximo 3 crianças, hoje tão comuns nos buffets infantis. Na mini-varanda, um casal de anões muito, mas muito pequenininhos mesmo, vestidos de bonecos. A moça, de trancinhas, o homem, de suspensórios. A coisa toda não fazia o menor sentido, porque nem ao menos combinavam com slogan do candidato. Eram só anões distribuindo panfletos. Fiz uma entrevista abordando a carreira artística da dupla, a vida do casal - são casados, mesmo - com shows temáticos para políticos, circos, inauguração de supermercados e tals.
2) Laranjice
Certa figura de partido nanico, conhecido por, eleição após eleição, disputar qualquer cargo fazendo escada ou o trabalho sujo (denúncias, críticas) para um outro - este, de partido grande - reafirmava a seriedade da sua candidatura. Cânatura, como pronunciam os políticos. Meu bravo (nos dois sentidos) editor me mandou ser cara-de-pau e perguntar se a candidatura dele era laranja. Na lata. Porque é uma daquelas figuras que você fica entre sentir pena e raiva, então ninguém tem muita paciência (ou desespero) pra perder tempo com ele. Liguei pro candidato, laralala, enrolation, pergunto - mas a sua candidatura é pra valer ou é laranja? E ele tasca a resposta antológica: "A minha cânatura não tem característica de laranjice". Adoro essa frase: foi título da entrevista e legenda eterna a cada menção do candidato.
3) Foto dos Escrotinhos
Minha primeira pauta política foi uma coletiva do governador que estava deixando o mandato. O gordão. Além de ser muito chato - nem vou entrar no mérito da gestão - ele é daqueles que falam baixo, com respiração pesada, mais gemendo do que respondendo. Uma das figuras mais editadas da história do jornalismo, porque se fôssemos transcrever com exatidão suas frases, não se entenderia nada. Daí em coletiva é assim: você que trabalha pra jornal fica atrás dos cotovelos dos cinegrafistas, levando porrada. Encontrei naquele dia um amigo de outro veículo, e ele me chamou: "Cris, vamos ficar atrás dele, abaixadinhos, que dá pra ouvir melhor o que o mala vai dizer". E assim foi, demos a volta na multidão de colegas que buscava registrar imagem e som do governador, pela frente, lógico, e ficamos nas suas costas, praticamente encostados, anotando tudo nos caderninhos. Daí no dia seguinte sai a foto de um dos maiores jornais do Estado: feita num ângulo inusitado, mostrando nós dois, cúmplices, RINDO por trás do governador. A mensagem subliminar óbvia era de que o fulano já não tinha o respeito de ninguém.
4) Da arte de segurar o riso
Tem um deputado votadíssimo aqui com um pequeno problema de pronúncia. PRONUNÇA, ele diria. Era mania na redação imitá-lo. Bem, pelo menos, mania minha. Aí liguei pra que ele rebatesse uma acusação de um adversário (era candidato a prefeito).
"Isso é uma VIOLENÇA. Meu adversário tem muita PREPOTENÇA. É muita ARROGANÇA".
Lágrimas corriam por meus olhos.
5) Do ataque de tosse
Outra pauta-mico: falar com a mãe de um candidato pra traçar um perfil psicológico (rá). Engazopação, lógico. Pelo telefone também. No meio da história do pequeno futuro candidato, quando a respeitável senhora da Trafacu identificava o momento em que percebeu no filho o dom paraenganar ajudar as pessoas, cuspi o café gelado no monitor, num súbito ataque de tosse - daquelas secas, que te tiram o fôlego. Eu tinha parado de fumar recentemente e tava botando todo o monóxido pra fora. Não consegui mais falar. Joguei o telefone pro editor, que encerrou a entrevista. Depois a agradável senhora mandou a secretária ligar para saber se eu tinha sobrevivido.
6) TV Oxigênio
Daí a TV Oxigênio - aquela que está no ar mas ninguém vê, hohohoh - pediu uma repórter de política "emprestada" ao jornal, pra auxiliar a âncora de um programa daqueles típicos da tarde, uma madame Ana-Maria-Braga-wannabe, a entrevistar, por dois dias seguidos, as esposas dos dois principais candidatos ao governo. E o que perguntar a uma futura primeira-dama, eu que acho esse cargo uma das coisas mais imbecis da democracia? Que desprezo profundamente quem se mete a trabalhar com verbas do governo só porque dorme com o eleito? Devo registrar que quis me matar por ser enviada pra essa missão, viu dona Jô? Mas rascunhei umas 3 ou 4 perguntas e fui lá com a cara de pau que só a ordem de superiores nos impõe. Pra me livrar logo, fiz todas as perguntas no primeiro bloco. Entra a propaganda, começa o segundo bloco. A apresentadora, uma loira maquiadíssima, simpática, me dá a deixa: "E você, Cristina, o que mais quer saber da fulana?". Eu: "mais nada, não tenho mais perguntas". "Como assim, nada?" "Nada". Passei mais 3 blocos fazendo cara de paisagem. Juro que eu não tinha mais nada a perguntar!
7) Tip-top
E o que fazer quando o político se nega a falar sobre política? Liguei um dia pro senador bam-bam-bam, aquele mesmo que depois voltou a ser governador, pra saber opinião sobre determinada polêmica. "Minha florzinha. Eu não estou falando sobre isso. Aliás, não falo mais sobre política este ano". "Mas... mas... mas" e ele irredutível, nada a declarar. Fim da tarde e eu com 1/4 de página pra preecher. "Me pergunte qualquer coisa menos política". Então ok. "Senador, porque o senhor só usa camisas jeans?" Ele se acabou de rir. "Ah, minha filha, meu primeiro tip-top era jeans!". A origem da marca registrada do homem virou um box engraçadinho, mas que mata de vergonha até hoje.
Plena campanha, caderno inteiro pra encher de notícia relevante sobre candidatos nem tanto, eu ia com o fotógrafo pra Boca Maldita, na Rua XV - o centro nervoso (ui), diria histérico - da cidade, onde ficam as bancas de candidatos, onde eles aparecem pra apertar mãos e fazer fotos. Naquele dia, nada de interessante acontecendo. De todas as estratégias pra chamar atenção do eleitor, me deparei com a mais inusitada. Uma casinha de bonecas, daquela em que cabem no máximo 3 crianças, hoje tão comuns nos buffets infantis. Na mini-varanda, um casal de anões muito, mas muito pequenininhos mesmo, vestidos de bonecos. A moça, de trancinhas, o homem, de suspensórios. A coisa toda não fazia o menor sentido, porque nem ao menos combinavam com slogan do candidato. Eram só anões distribuindo panfletos. Fiz uma entrevista abordando a carreira artística da dupla, a vida do casal - são casados, mesmo - com shows temáticos para políticos, circos, inauguração de supermercados e tals.
2) Laranjice
Certa figura de partido nanico, conhecido por, eleição após eleição, disputar qualquer cargo fazendo escada ou o trabalho sujo (denúncias, críticas) para um outro - este, de partido grande - reafirmava a seriedade da sua candidatura. Cânatura, como pronunciam os políticos. Meu bravo (nos dois sentidos) editor me mandou ser cara-de-pau e perguntar se a candidatura dele era laranja. Na lata. Porque é uma daquelas figuras que você fica entre sentir pena e raiva, então ninguém tem muita paciência (ou desespero) pra perder tempo com ele. Liguei pro candidato, laralala, enrolation, pergunto - mas a sua candidatura é pra valer ou é laranja? E ele tasca a resposta antológica: "A minha cânatura não tem característica de laranjice". Adoro essa frase: foi título da entrevista e legenda eterna a cada menção do candidato.
3) Foto dos Escrotinhos
Minha primeira pauta política foi uma coletiva do governador que estava deixando o mandato. O gordão. Além de ser muito chato - nem vou entrar no mérito da gestão - ele é daqueles que falam baixo, com respiração pesada, mais gemendo do que respondendo. Uma das figuras mais editadas da história do jornalismo, porque se fôssemos transcrever com exatidão suas frases, não se entenderia nada. Daí em coletiva é assim: você que trabalha pra jornal fica atrás dos cotovelos dos cinegrafistas, levando porrada. Encontrei naquele dia um amigo de outro veículo, e ele me chamou: "Cris, vamos ficar atrás dele, abaixadinhos, que dá pra ouvir melhor o que o mala vai dizer". E assim foi, demos a volta na multidão de colegas que buscava registrar imagem e som do governador, pela frente, lógico, e ficamos nas suas costas, praticamente encostados, anotando tudo nos caderninhos. Daí no dia seguinte sai a foto de um dos maiores jornais do Estado: feita num ângulo inusitado, mostrando nós dois, cúmplices, RINDO por trás do governador. A mensagem subliminar óbvia era de que o fulano já não tinha o respeito de ninguém.
4) Da arte de segurar o riso
Tem um deputado votadíssimo aqui com um pequeno problema de pronúncia. PRONUNÇA, ele diria. Era mania na redação imitá-lo. Bem, pelo menos, mania minha. Aí liguei pra que ele rebatesse uma acusação de um adversário (era candidato a prefeito).
"Isso é uma VIOLENÇA. Meu adversário tem muita PREPOTENÇA. É muita ARROGANÇA".
Lágrimas corriam por meus olhos.
5) Do ataque de tosse
Outra pauta-mico: falar com a mãe de um candidato pra traçar um perfil psicológico (rá). Engazopação, lógico. Pelo telefone também. No meio da história do pequeno futuro candidato, quando a respeitável senhora da Trafacu identificava o momento em que percebeu no filho o dom para
6) TV Oxigênio
Daí a TV Oxigênio - aquela que está no ar mas ninguém vê, hohohoh - pediu uma repórter de política "emprestada" ao jornal, pra auxiliar a âncora de um programa daqueles típicos da tarde, uma madame Ana-Maria-Braga-wannabe, a entrevistar, por dois dias seguidos, as esposas dos dois principais candidatos ao governo. E o que perguntar a uma futura primeira-dama, eu que acho esse cargo uma das coisas mais imbecis da democracia? Que desprezo profundamente quem se mete a trabalhar com verbas do governo só porque dorme com o eleito? Devo registrar que quis me matar por ser enviada pra essa missão, viu dona Jô? Mas rascunhei umas 3 ou 4 perguntas e fui lá com a cara de pau que só a ordem de superiores nos impõe. Pra me livrar logo, fiz todas as perguntas no primeiro bloco. Entra a propaganda, começa o segundo bloco. A apresentadora, uma loira maquiadíssima, simpática, me dá a deixa: "E você, Cristina, o que mais quer saber da fulana?". Eu: "mais nada, não tenho mais perguntas". "Como assim, nada?" "Nada". Passei mais 3 blocos fazendo cara de paisagem. Juro que eu não tinha mais nada a perguntar!
7) Tip-top
E o que fazer quando o político se nega a falar sobre política? Liguei um dia pro senador bam-bam-bam, aquele mesmo que depois voltou a ser governador, pra saber opinião sobre determinada polêmica. "Minha florzinha. Eu não estou falando sobre isso. Aliás, não falo mais sobre política este ano". "Mas... mas... mas" e ele irredutível, nada a declarar. Fim da tarde e eu com 1/4 de página pra preecher. "Me pergunte qualquer coisa menos política". Então ok. "Senador, porque o senhor só usa camisas jeans?" Ele se acabou de rir. "Ah, minha filha, meu primeiro tip-top era jeans!". A origem da marca registrada do homem virou um box engraçadinho, mas que mata de vergonha até hoje.
8) Bonita camisa, prefeitinho
Essa é rápida. Fui entrevistar o prefeito e ele usava uma camisa xadrez, preto e branco, igualzinha à minha. A diferença é que a minha tinha mangas médias. Sim, eu fiz a piada óbvia. "Vamos cantar, prefeito?" Ele é um chato mal humorado e não curtiu.
9) Fim de feira
E quando acaba a eleição e os ganhadores viajam pra desestressar? Pra lugares onde nenhum celular pega, claro. O que o pobre repórter de política faz num final de dia em que sobra uma página inteira sem nada pra contar? Liga pro desgraçado que, depois de 5 mandatos seguidos, não foi reeleito. Essa foi minha pauta numa sexta-feira, três da tarde. O bom é que nenhum político por baixo da carne seca recusa entrevista, mesmo que seja pra deixar registrada sua estréia no ocaso. Ligo pro derrotado, ele avisa que está na Assembléia limpando suas gavetas. Falo sobre a matéria de interesse humano, o que faz a pessoa que perde uma eleiç... "Eu dou a entrevista, mas não me venha com essa. Sei que só eu estou atendendo o celular".
Post dedicado aos colegas que continuam nessa lida. Vocês são foda.
16 comentários:
TV Oxigênio HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA ai ai ai... Mana, que dureza, hein!
Genial! Ainda bem que eu não sou da área.
adorei! o bom de viver aqui é saber exatamente de quem você tá falando.
mas tip-top jeans é demais!
você matou a curiosidade que me consumiu por anos.
nunca mais olharei prá ele sem lembrar disso.
E o que dizer da primeira-dama do Roriz, que agora herdou a candidatura? Essa daria uma boa pauta, hein? Nem que fosse para a coluna de humor. Ou policial, sei lá.
Ô, pensei que vc nunca escreveria um psot sobre as aventuras e desventuras de uma redação.
Cobri uma semana de política na Assembléia Legislativa do PR, foi o sufieciente para retornar a fazer policial. Lá,ao menos, dá para identificar os bandidos numa boa :)
Amei! Cara, parece que cobrir politica é divertido mas não queria ta na sua pele. Agora estou brincando de advinhar quem é quem aí nos seus 'citados'. Morri com o 'tip top jeans'.
Bjkas
Eu não imaginaria nunca que um jornalista trabalhando na parte de política sofresse tanto! kkkk!
É nessa hora que eu penso que a coisa mais esperta que eu fiz foi virar diagramadora, hehehehe! Mas, como diria Julinho Tarnowski, "podia ser pior: podia estar chovendo!"...
Adorei, muito bem humorado e sincero. Tem que ter mesmo muito jogo de cintura para lidar com as pessoas e suas bizarrices. O imprevisto sempre quer entrar no jogo, então só resta levar numa boa e aprender a rir de si mesmo.
É isso mesmo. E eu que estou há 15 anos nesta labuta. Pensando bem, jornalista da área de política merecia extra por insalubridade. Eita. Amanhã vou tentar escrever um post sobre as minhas histórias. Você, como sempre, Tina, é inspiradora.
tenho mil e uma, desse naipe aí. dia desse, depois de um veto histórico da bancada governista.
- governador, o senhor acaba de ser derrotado, pela sua bancada, dentro da assembléia. como é que o senhor avalia o veto e o que pretende fazer daqui pra frente em relação ao aumento de impostos, já que o legislativo entende que o projeto não é o ideal?
- eu não vou falar sobre isso, agora. se tu quiser me pergunta alguma coisa sobre as rainhas da festa da uva, ou coisa assim, aí fica bom pra ti (que vai ter tua matéria) e pra mim (que posso fazer de conta que não estou nem abatido com a derrota). que tu acha, moça?
ahahaa. muito massa. essa da tosse eu não lembrava.
por isso eu continuo falando. larga mão desse negócio de assessoria de imprensa e vai ser redatora/escritora de humor. talento não falta. e to falando sério. rs
Acho que situações piores você so encontraria se cobrisse o judiciario... boa parte dos meus amigos faz estagio no tj, alguns passaram em concursos diversos pelo pais, e saem contando cada coisa...
to gargalhando, e jogando no twitter.;0)
Muito bom, Tina! Essa do bravo editor foi ótima!
Postar um comentário