sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Ora direis, ouvir estrelas




Ontem teve uma lua linda, cinematográfica, fomos eu e Nina conferir o céu antes do banho. As gatas nos distraíram e o céu ficou lá fora, largado. E eu que vivo fugindo de nostalgia gratuita me peguei lembrando do meu muro e do meu céu da adolescência.
Posso falar muito mal da cidade onde eu morava, a fedida, sufocante, seca, ignorante cidade onde eu morava. Mas pelo menos as estações eram super bem definidas, com sol ou frio: bons tempos pré-Al-Gore. Isso me permitia passar as noites de primavera e verão, pelo menos, sentada no muro da minha casa, olhando para o céu.
Tínhamos em casa uma coleção de livrinhos pequenos, de apenas dez páginas, mas muito bem ilustrados: um sobre o átomo, outro sobre radiação, ou elementos químicos, e um sobre estrelas. Numa bela noite, quando já podia ficar sozinha na frente de casa, levei o livrinho pra conferir o céu e achar as constelações. Só que o céu lá descrito era o céu do Norte. Tinha as Ursas Maior e Menor e umas outras com formatos indígenas e mitológicos, as quais não lembro, mas que me pareciam muito mais interessantes que o Cruzeiro do Sul. Que decepção.
Com o tempo peguei gosto pelas Três Marias e até pelo Cruzeiro, apesar de me irritar aquela estrelinha parasita que sobra e estraga o layout da cruz. Gosto até hoje de olhar pro céu no lusco-fusco e tentar adivinhar onde vai aparecer a primeira estrela, a Estrela Dalva.
Então eu passava horas olhando pro céu. Horas. Sentada no muro de casa, um muro baixo, as pernas pra fora ou encostada no pilar do portão, pernas esticadas. Não passava avião, não passava carro. 
Imaginava minha vida, claro. Mas nada muito concreto. Não tinha certeza de muita coisa, nem de que conseguiria realmente sair daquela cidade, como ansiava. Pensava assim: essa estrela está piscando sobre a cabeça de alguém importante (pra mim) que ainda não conheço. Essa estrela está piscando do mesmo jeito que piscou pra uma indígena qualquer que também prestou atenção nela,  há centenas de anos. A lua está brilhando nesse ângulo e em algum lugar a sua visão é muito diferente. Não vejo a Ursa Maior, mas posso ver a rabeira da Via Láctea. Eu vejo o mesmo Espaço. Logo, existo.
Já não tinha qualquer religiosidade. já tinha essa falta de fé indestrutível. Mas me perdia ali no Infinito Clichê da efemeridade da existência humana. E isso me tranquilizava. Tudo podia mudar e mudar e mudar; no fundo, não importava. Eu não fazia planos nem sonhava, só observava e esperava.


A mãe chamava porque a novela ia começar e o sereno faz mal, ou o pai, porque já estava tarde demais. "Vem pra dentro". 

5 comentários:

Juliana Felipe disse...

Jeito lindo de entender (ou buscar entender) a vida.

Deise Luz disse...

post bonito, Tina.

Caminhante disse...

Curitiba tem essa coisa frustrante de quase nunca ter céu limpo pra ver estrelas. Eu também passava muito tempo olhando para elas, deitada na rede da varanda da casa do meu pai, em Salvador.

Mas, apesar disso, considero que só fui conhecer mesmo o céu quando fui pra uma cidade do interior da Bahia, dessas que nem poste pra iluminar as ruas tem. Nossa, que diferença! Uma faixa de estrelas, de todos os tamanhos e intensidades possíveis. Lindo demais.

Rita disse...

Obrigada por me dar a chance de corrigir o equívoco de não ter deixado um comentário nesse texto. Simplesmente porque gostei muito muito e porque eu olhava a lua lá da porta da minha casa, sentada no degrau de entrada, pescoço esticado, pensamento no "o que me espera quando eu for embora?". Foi nisso que pensei quando li esse post pela primeira vez, além de ficar imaginando você, tão grande, tão brilhante, na sua infância de menina láááá do interior. A vida tem umas coisas muito legais. Beijo.

Rita

Rita disse...

Aí eu verifico a data do post e entendo porque não comentei nada. Não foi equívoco. Eu estava muda mesmo. Bj.