terça-feira, 1 de março de 2011

Capela Cristina & os vendilhões do templo


Se ressuscitasse hoje, Jesus não poderia expulsar os vendilhões do templo porque eles foram institucionalizados. Lojinha, lojinha, lojinha, em todo canto, por toda parte, com todo tipo de porcariazinha, camisetas, colares, miniaturas, tudo tudo tudo. Particularmente achei chocante que, em pleno Museu do Vaticano*, existam lojinhas internas que atrapalham a vista de algumas obras – como na lindíssima (estou ficando sem novos adjetivos pra tanta grandeza) sala de mapas, ou na de esculturas. Perdi a conta de quantas são, assim como perdi a conta de quantas salas e capelas, aposentos Papais, corredores e mostras – das mais magníficas às mais cafonas – entramos até chegar no Céu da Capela Sistina. Pensando bem, até parece uma alegoria de uma vida católica: primeiro a apreciação resignada dos santos e milagres, o dízimo das comprinhas no caminho, até o milagre da obra-prima de Michelangelo. E eu que não vou pro céu, senhoras e senhores, digo que vale a pena o purgatório.

 Sala dos mapas

Mas vamos devagar e por partes. O Museu do Vaticano é maravilhoso, só que repete os pecados (oops) da Basílica de São Pedro: a amontoação que banaliza. Ou eu não tenho capacidade de ver o “todo”. Porque é meio como estar com twitter, blog, dez sites, tv e rádio ligados ao mesmo tempo, too much information (minha vida, aliás). Daí às vezes o bizarro se sobressai, em detrimento de uma obra mal exposta.

Ah, bem, eu não vou adoçar a pílula. Fiquei muito mal humorada de ver tanta coisa amontoada. Amaldiçoei todos os bispos e padres e sei lá quem (freiras não, que elas não apitam em nada mesmo) que acharam ter capacidade de organizar todas as obras acumuladas em séculos de domínio mundial.


Repara na escultura de duas cabeças atrás de mim: uma das cabeças viradas pra trás. Dãr.


Uma das 394858 lojinhas, esta no caminho da sala de mapas, em frente a alguns. 

O ponto alto antes da Capela Sistina é o quadro dos filósofos, claaaaro. Aquele do Rafael – a Escola de Atenas, com Platão e Aristóteles batendo um papo e vários filósofos em volta, filosofando. Depois que conseguimos driblar um grupo de japoneses, um pouco maior que o habitual, fizemos várias fotos dos filósofos que me acompanhavam com os filósofos-mestres ao fundo.



Placa discreta cobrindo parte da obra - sou implicante?

Pausa pra um fenônomeno: os grupos japoneses (oi Madoka). Já tínhamos reparado, mas aqui o clichê se confirmou. Começamos nossa visita entre dois “bondes” japoneses: um na frente, outro atrás, cerca de 20 turistas, com suas infalíveis máquinas maravilhosas, filmando e fotografando tudo. Tudo não! Só o que é mais importante. Eles vão com as perninhas rápidas tipo a Quadrilha de Morte da Penélope Charmosa, ouvindo a guia, e param exatamente na frente das principais obras, registram e seguem, rapidinho, sem olhar para os lados, para a próxima. 


Quando chega no museu – que na verdade são vários reunidos, mas dá no mesmo – você tem duas opções pra chegar à Capela Sistina: a rápida ou a completa. Escolhemos a completa (fui voto vencido). E demora, viu. Você passa por salas maravilhosas e outras absolutamente irrelevantes – a parte de arte contemporânea, por exemplo, me pareceu fraquinha e desnecessária. Chega-se até a enfrentar corredores inúteis. Aposentos humildes de papas – sei.

Daí quando você acha que já viu todas as Marias-dolorosas, crucificações, nascimentos e santos pra todos os males possíveis, chega finalmente ao auge que é a Capela Sistina. E daí somem todas as dores, nas pernas, no saco, porque a coisa é realmente de embasbacar. Mas prepare-se para o torcicolo, porque vale a pena. Ah, e leve um guia para entender tudo que está à sua volta, porque há informações valiosíssimas que não podem passar despercebidas.

Não pode filmar, não pode fotografar. Comprar os cartazes por 20 euros na lojinha da saída, pode.Uma pista aqui.

Update: por dentro da Capela Sistina, 3D e tudo.

É – ah se eu tivesse de pagar royalties pra cada vez que usar essa palavra – emocionante ficar embaixo daquela cena clássica de Deus criando o homem, com o dedinho e tal. Mesmo. Mas também é muito legal observar a “moldura” das cenas bíblicas. Michelangelo era um ferrado quando fez a Capela, mas tinha um senso de humor refinado pra pintar figuras observando as cenas, até jocosamente.

Tudo isso deve ser largamente conhecido mas eu, até então, nunca tinha pensado em observar esta obra pessoalmente. Então fiquei muito UAU.

A parte mais legal é o Juízo Final e sobre este eu e Mr. Lopes criamos uma verdadeira tese acadêmica: Michelangelo fez um Jesus alheio ao sofrimento humano, impassível, enquanto pessoas são carregadas para o inferno (um detrator de Michelangelo está representado, no canto, com orelhas de asno). Daí a santa igreja não se agüentou com essa representação e colocou um altar ao pé do Juízo, que é a parede reta, não o teto, com o Cristo oficial, sangrento, sofrido, pra dar uma amenizada. Um altar e um crucifixo que atrapalham a visão da caverna com uns macacos, ao pé do juízo. Enfim, outra das dezenas de equívocos na exposição de obras do Vaticano.

Saí vesga de tanta beleza e ao mesmo tempo saturada de tanto ouro. O Coliseu, passeio feito em seguida, foi um alento.

6 comentários:

Luciana Nepomuceno disse...

"até então, nunca tinha pensado em observar esta obra pessoalmente. Então fiquei muito UAU."
Assim mesmo que eu me senti. Estou vendo tudo de novo, sentindo uma saudade danada da eu que esteve lá. Um beijo agradecido.

Raiza disse...

Implicante nada.Se eles pilham,matam e fazem lavagem cerebral a séculos pra conseguir essas maravilhas todas,o mínimo é expor direito.

Ronise Vilela disse...

"Quadrilha de Morte da Penélope Charmosa" - imaginei cena. Rindo horrores!

Rita disse...

Ai, Tina, pra variar, adorei o post. Como disse lá no twitter, você é mais que uma visitante a mais, hohoho. Mesmo, porque, diferente dos japoneses do grupo que você descreveu, seu olhar é mais, ai clichê, profundo. Então é tudibom. E a Sistina é uma daquelas experiências que a gente nunca esquece. Tudo nessa vida é mesmo relativo: torcicolo feliz existe.

Beijocas
Rita

Jan disse...

tô adorando... tem mais?

sheyla disse...

Tina,
Já acompanho o blog faz tempo e adoro. Vc se superou com o "diário de bordo" da sua viagem. Eu passei mais de uma hora na capela sistina. Levei um livro que explicava cada canto e não conseguia ir embora...continue os relatos!!