domingo, 4 de setembro de 2011

Day 17: A book that’s a guilty pleasure

 (o primeiro exemplar que li tinha essa capa horrorosa - depois comprei até o HQ)


Convencionou-se que os livros de Luis Fernando Verissimo não são literatura séria. Bem, eu acho que rir é coisa séria, sim. Eu tinha 18 anos e exatos 10 meses para aprender tudo o que não tinha visto de conteúdo em três anos do segundo grau, morando na (desejada) capital com a tia e a prima que me abrigaram. Minha mãe gastava todo o salário da escola estadual para pagar o cursinho e a pressão era inacreditável. Ou eu passava no vestibular, ou eu voltava pro interior. Vivia com dor no estômago e com a certeza de que meu maior esforço não seria suficiente. Aí um sábado, depois de um daqueles vestibulares simulados, no qual tinha me saído mal em matemática e física, me sentindo completamente derrotada, me isolei no quarto para continuar estudando, estudando, estudando. Fui procurar um livro qualquer na estante e achei um exemplar de O Analista de Bagé. Já tinha ouvido falar e visto uma propaganda na tv de uma peça homônima, puxando pro pornô. Fiquei curiosa e dei uma folheada. Mal tinha ouvido falar de Freud, mas fui lendo e lendo. Passei a tarde disfarçando as risadas. Foi um momento de respirar fundo pra continuar, de se permitir um pequeno prazer. Anos depois, passei a comprar tudo que pude de Verissimo. As Comédias da Vida Privada, os textos sobre as Copas do Mundo, as tirinhas das Cobras. Machista, leve, irresponsável, sim, mas Verissimo também sabe ser incisivo com relação a política, reflexivo e até poético. Acho que é um autor como Bukowski, que sofre o preconceito do "não li - não gostei" ou "li um pedaço e achei ruim".

Pues, diz que o divã no consultório do analista de Bagé é forrado com um pelego. Ele recebe os pacientes de bombacha e pé no chão.

— Buenas. Vá entrando e se abanque, índio velho.

— O senhor quer que eu deite logo no divã?

— Bom, se o amigo quiser dançar uma marca, antes, esteja a gosto. Mas eu prefiro ver o vivente estendido e charlando que nem china da fronteira, pra não perder tempo nem dinheiro.

— Certo, certo. Eu...

— Aceita um mate?

— Um quê? Ah, não. Obrigado.

— Pos desembucha.

— Antes, eu queria saber. O senhor é freudiano?

— Sou e sustento. Mais ortodoxo que reclame de xarope.

— Certo. Bem. Acho que o meu problema é com a minha mãe

— Outro.

— Outro?

— Complexo de Édipo. Dá mais que pereba em moleque.

— E o senhor acha...

— Eu acho uma pôca vergonha.

— Mas...

— Vai te metê na zona e deixa a velha em paz, tchê!

12 comentários:

Verônica disse...

ah, preconceito contra o Veríssimo deveria ser crime também. eu amo tanto, leio as colunas dele em jornais como se fossem prêmios para essa vida dura (classemédiasofre way of life) e a edição que eu tenho tem essa mesma capa horrorosa que eu acho hilária. =D

Anne disse...

Oi Tina,
Estou aqui acompanhando de longe esse meme literário e me divertindo horrores. Lembrando dos livros que li e conhecendo muitos outros.
Não resisti a esse post do Veríssimo. Adoro. Muito engraçado e rir, pra mim, também é coisa séria.
beijinhos,
Anne

Deise Luz disse...

heheh, legal o trecho...

E por que o Veríssimo, além de tudo, além dessa pouca importância que lhe atribuem e tal, ainda tem que sofrer com os textos toscos que circulam na internet como sendo seus, né?! Dou aula numa escola de ensino médio e quando fui dar uma olhada no que a professora que me antecedeu estava trabalhando vi "texto BBB - Luis Fernando Veríssimo". Sério, eu cheguei a ler esse texto, e era uma das coisas mais toscas do mundo. Qualquer pessoa com uma mínima intimidade com literatura saberia que aquilo não poderia ter vindo de um bom escritor.

E me identifiquei com o "quem lê um pedaço de Bukowski e acha ruim". Ain, li só o início de Factótum e saí espalhando que não gostei... preconceito, né...

Tina Lopes disse...

Anne! Quanto tempo, perdi teus contatos, guria! Que bom que vc ainda está por aqui =***

Tina Lopes disse...

Deise, eu não curto Factotum não; leia Misto Quente ou O Capitão Saiu pra Jantar e os Ratos Tomaram Conta do Navio, vai por mim ;)

::Fer:: disse...

Meu pai tinha a HQ. Li várias vezes.
Adorando o meme, estou quase aderindo.

Rita disse...

Tina, nunca ouvi ninguém falar mal do Veríssimo. E, olha só, sempre o vi como autor festejadíssimo! Sempre achei que todo mundo gostava. Bom, o primeiro contato que tive certamente foi em alguma coluna de jornal ou revista; depois comprei um com crônicas em algum aeroporto e daí em diante repeti a dose várias vezes. Ganhei um outro de presente em que ele faz uma adapatação de the 12th night, de Shakespeare - parte de uma série de livros. Devo ter meia-dúzia de títulos dele e sempre me diverti. O lance com o machismo veio como um balde de água fria pq foi em um nível tão eca que, meu, era inevitável torcer o nariz. Então ainda gosto e acho engraçadíssimo (e você tá certa quando diz que ele acerta a mão quando o assunto é política, normalmente), mas, né, agora com o nariz torto, sim. :o)

Beijocas

Rita

Luke disse...

Nunca li Veríssimo, Tina. (Aliás, nunca li muito, talvez seja por isso que tenha feito um curso de exatas ;P) Mas fiquei curioso, realmente parece ser muito legal. Entrou pra minha to read list. Bjão

Vivien Morgato : disse...

Aqui em Campinas tem um projeto que se chama avenida literária: na porta de padarias ficam alguns livros, vc pega, lê e devolve.
A maior parte das pessoas fica apenas com os dois primeiros verbos, o que é uma pena.
O último que eu peguei foi exatamente esse, tava dando bobeira e resolvi pegar: fiquei lendo e gargalhando alto enquanto esperava para ser atendida pela perícia médica.
LFV sempre me fez rir alto, até aponto o cume disso: Regras do futebol de rua. Eu tinha, sei lá, uns dez anos. Li, ri, reli, ri, reli, ri. Meio surto.

Luciana Nepomuceno disse...

eu amo. ponto final.

Rubão disse...

Sou analista de Bagé de carteirinha. Uma visão de mundo mais certeira que boleadeira de gaúcho. Oigalê.

João_Paulo1223 disse...

Sou fiel a alguns blogs desde 2001. E o teu entrou nessa minha turminha (poucos, saiba). Tu escreve muito gostoso, Tina.

Pra não ficar totalmente off topic: nem sabia desta frescurada toda com Veríssimo. Tem, é? Sempre gostei muito de ler, livro e cronica. Morando no sul novamente, to sempre lendo o cara na pg 2 da zero hora.

;)