Estou dando um tempo no pão. Comi massa demais na viagem, me sinto empanturrada, gosto de fazer essas loucurinhas de uma semana ou um mês pra desintoxicar - e gosto de poder controlar o que como, de poder me negar a algo que goste muito, de dizer não. Sinto-me no controle.
Lembrei de quando eram férias da faculdade e eu trabalhava desde cedinho na padaria. Com minha mãe, claro. Acordávamos às seis, os padeiros já tinham chegado ruidosamente de madrugada, porque naquele tempo não tinha forno elétrico e o trabalho deles, inclusive de deixar o forno na temperatura adequada, começava às quatro, quatro e meia.
Os primeiros momentos da padaria eram um frenesi (primeira vez que uso essa palavra). Na época havia a maldita fila do leite - em embalagem plástica, tipo A e tipo C, que também chegava de madrugada, em caixas geladas, deixadas pelos carregadores da Batavo e da Clac por debaixo da porta de aço lateral. Várias vezes sofremos tentativas de assalto de pobres coitados querendo roubar o leite - aí era só levantar e acender a luz, que não valia o trabalho de chamar e esperar a polícia.
Então tínhamos que atender rapidamente dezenas de pessoas que estavam esperando pra tomar seu café-da-manhã com leitinho e pãozinho quente. Eu, arada de fome. Mas não dava tempo de pensar. Só lá pelas nove horas o movimento acalmava e a gente podia se revezar no balcão da padaria para, uma de cada vez, tomar seu próprio café com pão.
Vocês não têm ideia do que é um pão saindo quentinho do forno a lenha. O padeiro enfia a espátula gigante lá dentro e joga na cesta de vime a brasa clara que, quando pedi pela primeira vez, queimou minha sacolinha de plástico e foi parar no chão, para alegria dos padeiros sarristas. E o cheiro?
Aí eu subia pra parte de "casa" da padaria - um salão imenso com apenas duas divisórias em lados opostos, uma pro banheiro e outra pro quarto da minha mãe, e cheio de cortininhas de ripa criando ambientes como meu quarto, sala de tv e cozinha - meus amigos da faculdade adoravam, achavam tão divertido e exótico.
Enchia minha caneca de café, abria meu pão fumegante, queimando os dedos, passava a manteiga que derretia até virar um óleo e enfiava rapidamente ali uma fatia de queijo ou de mortadela, recém-roubadas do freezer de frios da padaria, às escondidas dos fregueses.
Enfim, horas depois de tanto servir pão, era a minha vez.
10 comentários:
Pão é uma das minhas paixões. Também evito o excesso, mas bem sei que sou capaz de viver a pão e cerveja.
Um dos meus sonhos de infância era que meus pais fossem donos de uma padaria para que eu pudesse comer todas as delícias a qualquer momento. Vc viveu o meu sonho!
Eu fazia pão integral em casa. Todo mundo me dizia que não fazia sentido preparar a massa na noite anterior (fermentação natural, porque sou dessas), bater no dia seguinte e se cansar. "Hoje existe máquina". Mas é diferente. Parei justamente porque ficava doida quando ele saía do forno, o cheiro, a manteiga derretendo. Comia metade sem sentir.
Olha, esse começo do texto podia quase, quase ser meu. Eu sou das que se permite tudo, sou condescendente comigo, sabe? Aí, de vez em quando, escolho algo pra não ter, assim, só por querer decidir. Faço muito isso com comida (nunca com cerveja, aviso logo).
E fiquei sentindo o quentinho, cheirinho do pão da sua memória. delícia.
ah, depois de comer pão quentinho assim, recém saído do forno, não dá uma tristeza ir em padarias ou nos mercados e comer um pão menos fresco?
hehe
Desculpaê, depois desa descrição estou indo pra cozinha, dá licença.;0)
Legais, essas memórias.
Um paozinho quente sempre cai bem...
nada melhor que pao quentinho... mas esse negocio de se sentir em controle parece coisa do meu marido, que adora carne, mas e vegetariano ha 20 anos. Gostava de acucar, mas tambem nao o come ha pelo menos uns 18...
nao entendo, mas aprendi a respeitar
Deu pra sentir o cheiro do pão!
Amo pão francês (que, em Fortaleza, se chama pão carioquinha). Foi a base do meu lanche da tarde durante décadas!
Bjs
Recém almocei, mas me deu fome só de ler... hummm... que diliça!
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