Um livro que é um abraço
Que difícil. A exemplo das amigas que participam da brincadeira (links no FB e aí do lado), pensei no significado do abraço e me dei conta de que sou uma pessoa abraçadeira. Volta e meia abraço alguém e penso logo em seguida – Mas Cristina, precisava abraçar? Olha aí, só você abraçou. Você nem gosta da pessoa. Por que abraça? Pra fazer de conta que gosta?
(Terapia pra quê, se a gente tem a medicina moderna e as listas que abrem uma torneira de livre associação.)
Pensei em vários livros que amo, que estão sempre ao meu lado, cujos personagens me fazem falta e de vez em quando folheio só para reencontrá-los. Mas abraço, mesmo, daqueles que faz a gente se sentir bem, acolhida, em paz, lembro de ter sentido com (juro que não estou querendo chocar) O Analista de Bagé, do Luis Fernando Verissimo.
No meme anterior, os 30 Dias e 30 Livros, ele já foi escolhido como um Guilty Pleasure. Roubo no jogo e colo o texto aqui, porque o sentimento não mudou e você vai entender o porquê do abraço.
Convencionou-se que os livros de Luis Fernando Verissimo não são literatura séria. Bem, eu acho que rir é coisa séria, sim. Eu tinha 18 anos e exatos 10 meses para aprender tudo o que não tinha visto de conteúdo em três anos do segundo grau, morando na (desejada) capital com a tia e a prima que me abrigaram. Minha mãe gastava todo o salário da escola estadual para pagar o cursinho e a pressão era inacreditável. Ou eu passava no vestibular, ou eu voltava pro interior. Vivia com dor no estômago e com a certeza de que meu maior esforço não seria suficiente. Aí um sábado, depois de um daqueles vestibulares simulados, no qual tinha me saído mal em matemática e física, me sentindo completamente derrotada, me isolei no quarto para continuar estudando, estudando, estudando. Fui procurar um livro qualquer na estante e achei um exemplar de O Analista de Bagé. Já tinha ouvido falar e visto uma propaganda na tv de uma peça homônima, puxando pro pornô. Fiquei curiosa e dei uma folheada. Mal sabia de Freud, mas fui lendo e lendo. Passei a tarde disfarçando as risadas. Foi um momento de respirar fundo pra continuar, de me permitir um pequeno prazer. Anos depois, passei a comprar tudo que pude de Verissimo. As Comédias da Vida Privada, os textos sobre as Copas do Mundo, as tirinhas das Cobras. Machista, leve, irresponsável, sim, mas Verissimo também sabe ser incisivo com relação a política, reflexivo e até poético. Acho que é um autor como Bukowski, que sofre o preconceito do "não li - não gostei" ou "li um pedaço e achei ruim".
Naquele dia o livro foi um amigo daqueles bem humorados que chega com uma garrafa de vinho e contando piadas para te fazer esquecer o dia ruim. E que te abraça.
Pues, diz que o divã no consultório do analista de Bagé é forrado com um pelego. Ele recebe os pacientes de bombacha e pé no chão.
— Buenas. Vá entrando e se abanque, índio velho.
— O senhor quer que eu deite logo no divã?
— Bom, se o amigo quiser dançar uma marca, antes, esteja a gosto. Mas eu prefiro ver o vivente estendido e charlando que nem china da fronteira, pra não perder tempo nem dinheiro.
— Certo, certo. Eu...
— Aceita um mate?
— Um quê? Ah, não. Obrigado.
— Pos desembucha.
— Antes, eu queria saber. O senhor é freudiano?
— Sou e sustento. Mais ortodoxo que reclame de xarope.
— Certo. Bem. Acho que o meu problema é com a minha mãe
— Outro.
— Outro?
— Complexo de Édipo. Dá mais que pereba em moleque.
— E o senhor acha...
— Eu acho uma pôca vergonha.
— Mas...
— Vai te metê na zona e deixa a velha em paz, tchê!
2 comentários:
todo um novo significado do analista de bagé pra mim, hahaha vou reler
Lucila
pra mim o próprio verissimo é um abraço. um alento, uma promessa de riso. adorei rever o post e ter o PP de volta
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