Desde que sou criança é o seguinte. Aparece um estrangeiro na cidade, no grupo, na escola, na faculdade, na rodinha, pronto. São tratados feito seres extraordinários, com as informações mais interessantes, a visão de mundo mais correta, mais completa - obviamente estou falando de primeiro mundo.
"Desde criança" não é só expressão. Quando morava no interior estrangeiros causavam frisson - muitos técnicos vinham de fora pra instalar maquinário na fábrica da cidade. Meus vizinhos finlandeses, por exemplo. Foi muito rápido pra eles se integrarem à sociedade. Claro. Chovia gente querendo fazer amizade, conhecê-los de perto, ver as fotos da neve, de uma realidade totalmente diferente da nossa. Nada contra! Foi bem legal, mesmo, e importante pra minha compreensão do mundo. Mas o interesse durou pouco, da parte do grupinho bairro-trabalho-escola: até o momento em que eles demonstraram costumes bem mais avançados do que os nossos - tipo relacionamento aberto, ateísmo etc.
Outra oportunidade foi quando surgiu do nada um sul-africano por lá. Meu tio era o dono do único hospital da cidade e o cara, filho de engenheiros holandeses responsáveis pela instalação de uma super-turbina, décadas antes, havia nascido lá. Foi uma comoção quando apareceu o rapaz falando inglês na recepção. Meu tio foi chamado e o visitante, estudante de Medicina em viagem de férias pelo mundo, teve o prazer de passar as noites dormindo bem no quarto onde foi feito seu parto. Legal, né? Pois é. Fomos convocadas, eu e minha prima, que arranhávamos no inglês, pra ciceronear o tal holandês-africano. E daí foi o pacotão todo, clubes, casas, botecos, tudo pra exibir nossa própria versão globalizada. Conversa vai, conversa vem, o cara faz comentários do tipo "os negros africanos só são miseráveis porque se odeiam, lutam entre si". Veja que ainda era tempo de Apartheid. Mas minhas primas achavam que eu devia ter vergonha de ser tão jacu a ponto de ter tascado um beiijnho na bochecha do estrangeiro quando fui apresentada, coisa que o deixou visivelmente constrangido.
E assim segue a vida, até hoje.
Se a pessoa tem uns dólares a mais e pode vir visitar nossas praias e conferir nossas bundas, automaticamente, é tratado como um ser melhor e mais evoluído. No mundo empresarial, então, pfff. A pessoa pode ser uma anta, mas se fala inglês e tem passaporte com carimbo além de Portugal, uau. O silêncio vira sinal de inteligência e qualquer observação banal é interessante. Abrimos nossas portas e pagamos contas por momentos iluminados pela visão européia e americana, principalmente.
Antes que me acusem de xenófoba: não, não sou, e geralmente sou eu quem me divirto mais com a presença de estrangeiros, porque falo inglês um pouco melhor - ou um pouco menos ruim - do que a maioria dos colegas. Não estou falando de educação, simpatia e receptividade, mas de babação de ovo pura e simples. De agir como eterna colônia.
Então, finalmente entrando no mérito da fala do Stallone: houve toda uma reação nacionalista, mas acho que entendi a ironia. Estrangeiros vêm aqui e têm mais vantagens concretas do que em outros países. No caso dele a diferença foi clara: uma equipe de filmagem pode parar o trânsito, colocar transeuntes em risco, ordenar isso e aquilo - e quem esquece da negociação com traficantes pra viabilizar o vídeo do Michael Jackson? É como o vizinho bonitão que a dona da casa, excitada, deixa entrar e abrir a geladeira. Nem vou me estender falando em turismo sexual e outros exemplos do gênero porque invadiria a seara da economia.
Então, finalmente entrando no mérito da fala do Stallone: houve toda uma reação nacionalista, mas acho que entendi a ironia. Estrangeiros vêm aqui e têm mais vantagens concretas do que em outros países. No caso dele a diferença foi clara: uma equipe de filmagem pode parar o trânsito, colocar transeuntes em risco, ordenar isso e aquilo - e quem esquece da negociação com traficantes pra viabilizar o vídeo do Michael Jackson? É como o vizinho bonitão que a dona da casa, excitada, deixa entrar e abrir a geladeira. Nem vou me estender falando em turismo sexual e outros exemplos do gênero porque invadiria a seara da economia.
Stallone não pediu nenhum macaco, mas o mico é nosso.
8 comentários:
Quando eu estava na 4ª série, não me lembro como, veio parar uma norte-americana na nossa turma. Era a escola mais elitizada da cidade na época, então imagino que a família tenha vindo passar algum tempo no Brasil e deu à menina a oportunidade de conhecer uma escola brasileira. Um mini-intercâmbio (durou uns 5 dias, acho). Era loirinha, olhos azuis, pele vermelha de tão branca. E logo que chegou, as outras crianças (que eram ricas e portanto já conheciam EUA de cabo a rabo), voaram pra cima dela como se ela fosse um bichinho exótico. Faziam perguntas, comentários, brincadeiras, em português ou arranhando o inglês. Eu fiquei louca pra me aproximar também, mas fiquei esperando a muvuca baixar, pois dava até pena da garota. Ah, não deu outra. Passadas algumas horas, a menina, sem poder nem respirar, desatou a chorar na classe e teve que ser amparada pela professora. Fiquei impressionada com aquela cena e com a incapacidade de uns olharem pros outros como pessoas normais...
Eu acredito que seja bem por aí, eu confesso que eu até acho legal sobre certos aspectos ciceronear alguém que veio de fora: por que você arruma uma desculpa para "turistar" pela cidade e treinar uma pouco de inglês.
Apesar de que a maioria das vezes que isso acontece é alguém com quem eu criei ligação por causa do trabalho ou algum amigo da família.
Eu ainda não entendo muito bem o pessoal que faz amizade com algum estrangeiro do nada e ainda leva para casa para conhecer a família.
O seu relato é mais uma versão do nosso complexo de cahorro. Brasileiro é assim mesmo, adora abanar o rabo.
Falando daqui de casa: se meu marido fosse negro ninguem puxaria o Saco dele so no BR. E' so' uma constatacao do racism alem do complexo de inferioridade enorme do brasileiro. E Stallone e' um idiota mas me fez relembrar qual e' a anomia da sociedade brasileira: baixo auto estima. Bjs
Concordo com a babação, mas ele foi um grosso. punto e basta. rs
Ele é um idiota. Ponto.
Nossa baixa autoestima (sem hífen, também?) é patética.
Mas ele é um idiota.
Bj.
Rita
Tô com a Rita - por mais que a nossa subserviência seja algo péssimo, ele perdeu a chance de ficar calado. Foi um idiota.
E essa coisa de estrangeiro no mundinho (eca) corporativo é bizarra. Trabalho com expatriado e muita gente - e não quero soar preconceituosa, mas é verdade - especialmente os funcionários que ficam lá no final do organograma se encantam pelo simples fato de o cara dar "bom dia".
Touché, bullseye, bingo.
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