quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Simplesmente, sim

As meninas dos comentários* classificaram o trecho do post abaixo como escrita "simples”, e confesso que o termo me desgostou um pouco. Mas me apeguei ao seu principal significado – “o que evita ornamentos dispensáveis ou afetações”. Longe, portanto, sem qualquer ponto de contato, da simplicidade: aquilo que não tem complexidade, espontâneo, natural; ou ainda do simplismo: uso de meios por demais simples, ingenuidade.

Claro que consultei o Houaiss e o Aulette, hahahahah.

O ponto onde tento chegar é o seguinte: ser e parecer simples é desafio de uma vida toda. Um exemplo bobo e atual está na dificuldade inicial das pessoas que migram de blogs para o twitter. Depois elas se acostumam a reduzir idéias e a cortar adjetivos. Isso não quer dizer que se tornem claras ou interessantes somente por conseguirem formular alguma concisão.

(Ah, cortar adjetivos. Este poderia ser o meu emprego. Tenho um prazer doentio em deletá-los, e também repetições, preposições ou vírgulas desnecessárias.)

Mas estou falando mesmo é de textos. Tente contar de 1 a 10 sem pensar num coelho**. Agora tente escrever bonito, direto, claro, conciso, sem meter uns clichês e adjetivos pra encompridar, engazopar, alongar a frase.

E releia o trecho de Pergunte ao Pó, lá embaixo. É direto, não desperdiça palavras . Também não sobra nenhuma. O único adjetivo é “importante”, para a noite, que seria também decisiva – se o personagem não tivesse simplesmente deixado seus problemas para amanhã.

É claro que meu mestre, meu ídolo, o autor que escolheria caso fosse condenada a ler e reler somente a sua obra, pro resto da vida, é Graciliano Ramos.

“Levantei-me há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das visões que me perseguiam naquelas noites compridas umas sombras permanecem, sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrios”.

(primeiro parágrafo de Angústia)

Agora me permita fugir do texto em si. A vida tende a ser assim, a exigir redundância, maneirismos, escapismos rococós. Às vezes a gente se rende – nas relações de trabalho, de poder e submissão, principalmente. Ou sempre. Às vezes a gente bate o pé e faz os cortes necessários – nas relações pessoais, familiares, ou lá por dentro. Na letra e na vida, eu acredito que é preciso editar os excessos. O que, repito, não é fácil. 



*Meninas, foi só um gancho, ninguém se ofenda, por favor.  
 ** Foi o que o monge zen disse ao aprendiz que queria aprender a esvaziar a mente.

9 comentários:

Caminhante disse...

Eu adoro adjetivos. Não os corto por prazer, e sim para que não percam a força.

Rita disse...

Te contei que esse foi o post de mais gostei do Pergunte ao Pixel? Talvez seja pela carapuça caindo e enterrando minha cabeça até quase cobri-la por completo.

Bj
Rita

Ah, livro que comprei por causa da primeira frase: Ensaio sobre a cegueira. Não lembro das palavras exatas, mas eu não conseguiria largar o livro na prateleira da livraria e ir embora sem saber como aquele motorista sairia dali.

Raiza disse...

Concordo em parte.As vezes só saber que existe por exemplo,uma árvore no cenário,é suficiente,mas as vezes saber se é grande ou pequena,macieira ou laranjeira,faz toda a diferença.
O pulo do gato é saber quando se deve ser simples e quando se deve ser complexo.

Tina Lopes disse...

Caminhante, é exatamente isso, eles perdem a força.

Rita, nada a ver, teus textos são limpos e reveladores da autora.

Raiza, não é o caso de não haver adjetivos, mas dos adjetivos aos adjetivos, hahaha. Mas é tudo questão de estilo mesmo. Meu problema é com a enrolação que só copia clichês e não cria imagens verdadeiras.

cris disse...

"Ah, cortar adjetivos. Este poderia ser o meu emprego" - Nossa, o meu idem. Bora abrir uma agência? hahahahahaha. Na faculdade eu dei aula de Academic English. Minha disciplina favorita. Tinha que ensinar os alunos a serem concisos, ou seja, a cortar, cortar, cortar. Eu fazia isso com prazer quase doentio, rs. Loka total.

Anônimo disse...

hahahahaha cortar é o canal inclusive no discurso.
Licença Tina, ô Cris colocou cadeado no teu blog, snif...uai!
bjs
madoka

Uma mãe em apuros! disse...

ah mas o melhor são as coisas simples. Don't worry babe!!
bj

MegMarques disse...

Há mais dois adjetivos no primeiro parágrafo do livro:
"grande" em relação ao problema e
"aguda" em relação à atenção.

Eu gosto muito de adjetivos. Eu amo a imensa profusão dos mesmos que leio em Borges e em Guimarães Rosa. Sou meio barroca, detesto decoração minimalista, estilo clean. Tenho horror ao vazio.

O que não me impediu de gostar muito do livro!

Tina Lopes disse...

HAHHAHAAHAH Meg desmascarou minha leitura dinâmica falha!