Procurando trechos e imagens para esse extenso meme, tenho me surpreendido no quanto alguns livros dialogam entre si. Claro que há proximidade entre Bukowski e Fante, até porque o primeiro é fã confesso do segundo. Mas Graciliano Ramos está absolutamente distante deles no tempo, espaço e, principalmente, estilo. No entanto, dá voz e pensamentos a personagens parecidos: losers, desacorçoados, sem eira, beira ou qualquer esperança. É meu autor predileto, desde a primeira vez que o li, e será sempre.
Vivo agitado, cheio de terrores, uma tremura nas mãos, que magreceram. As mãos já não são minhas: são mãos de velho, fracas e inúteis. As escoriações das palmas cicatrizaram.
Impossível trabalhar. Dão-me um ofício, um relatório, para datilografar, na repartição. Até dez linhas vou bem. Daí em diante a cara balofa de Julião Tavares aparece em cima do original, e os meus dedos encontram no teclado uma resistência mole de carne gorda. E lá vem o erro. Tento vencer a obsessão, capricho em não usar a borracha. Concluo o trabalho, mas a resma de papel fica muito reduzida.
À noite fecho as portas, sento-me à mesa da sala de jantar, a munheca emperrada, o pensamento vadio longe do artigo que me pediram para o jornal.
Vitória resmunga na cozinha, ratos famintos remexem latas e embrulhos no guarda-comidas, automóveis roncam na rua.
Em duas horas escrevo uma palavra: Marina. Depois, aproveitando letras deste nome, arranjo coisas absurdas: ar, mar, rima, arma, ira, amar. Uns vinte nomes. Quando não consigo formar combinações novas, traço rabiscos que representam uma espada, uma lira, uma cabeça de mulher e outros disparates. Penso em indivíduos e em objetos que não têm relação com os desenhos: processos, orçamentos, o diretor, o secretário, políticos, sujeitos remediados que me desprezam porque sou um pobre-diabo.
Tipos bestas. Ficam dias inteiros fuxicando nos cafés e preguiçando, indecentes. Quando avisto essa cambada, encolho-me, colo-me às paredes como um rato assustado. Como um rato, exatamente. Fujo dos negociantes que soltam gargalhadas enormes, discutem política e putaria.
Não posso pagar o aluguel da casa. Dr. Gouveia aperta-me com bilhetes de cobrança. Bilhetes inúteis, mas dr. Gouveia não compreende isto. Há também o homem da luz, o Moisés das prestações, uma promissória de quinhentos mil-réis, já reformulada. E coisas piores, muito piores.
5 comentários:
Gosto de Graciliano Ramos mas não é meu autor favorito, talvezesteja na hora de reler.
abs
Jussara
ah! tina, tantos livros que não se leem. este eu não li, tou colocando na minha lista (rs).Tá interessante esse meme. bjk
madoka
Amei! A minha lista tá graaaaaaaaaande! bjs
Putz, eu gosto TANTO do Graciliano Ramos e é tão raro alguém que conheço gostar também. estou gostando muito de te ver espiando seus livros.
Amo Graciliano, amo mesmo, paixão antigo. Meu favorito é São Bernardo, que bom que vc gosta! <3
klaudioca
Postar um comentário