A pessoa faz dieta e dá aquela escapadela básica num momento de stress ou, simplesmente, porque quer se dar ao luxo de experimentar um prazer - um doce, uma massa, algo que não cabe no cronograma dos pontinhos diários. Aí se corrói, se sente mal e, pra não sofrer tanto, acaba abandonando o programa todo.
Chega o frio intenso, a família acende a lareira e se delicia com sopas incríveis, se encolhe toda debaixo de um bom cobertor, agarradinhos pra esquentar. Mas é um prazer envergonhado, pois sabem que lá fora há outras pessoas morrendo de frio, sem cobertas ou casa pra morar.
Uma senhora é assaltada no ônibus e, além do trauma, se lamenta por ter perdido os documentos todos, em vez de carregar apenas cópias autenticadas deles, como os telejornais sempre aconselham.
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Certa vez fiz um post aqui sobre o frio e estava refletindo recentemente sobre ele e a carga de culpa que carregava. Me senti extremamente babaca. Pagamos impostos, votamos em quem acreditamos que vai trabalhar pra reduzir a pobreza, ajudamos o próximo na medida do possível. Sempre se pode fazer mais, claro. Há quem o faça, e são pessoas mais que exemplares (não que a caridade, geralmente, não passe de uma forma de se aliviar a consciência – mas quem a recebe não tem tempo pra questionamento moral).
Mas é preciso haver sempre essa dor envergonhada? A culpa paralisa, deprime, não torna ninguém melhor por deixar-se absorver por ela. Não é um sentimento transformador, é destrutivo. Não é a culpa que vai nos fazer pessoas melhores ou não – mas sim nossa personalidade, nossas iniciativas, nossas atitudes com o mundo. A angústia existencial pressupõe o sentimento de responsabilidade, de tomada de posição na vida - não a culpa pequena, mesquinha.
Isso me lembra um livro do Camus em que o protagonista mata um ricaço – é uma cena forte e marcante, com uma lareira acesa durante o dia quente – e ao sair da casa com o dinheiro da vítima (ou algo parecido), começa a soluçar. E esse soluço o acompanha até quase o enlouquecer, porque não o deixa esquecer-se do que fez e, portanto, nem aproveitar a vida com o dinheiro que acreditava merecer.
O fato é: não adianta. O sofrimento de culpa, sozinho, é inócuo para o mundo lá fora. Não faz diferença.
6 comentários:
Adoro o I Ching porque vira e mexe ele nos lembra: SEM CULPA. ;)
Tina;
O cristianismo e o judaísmo são fontes de culpas imemoriais...! Já nascemos no berço da culpa, e nada mais lógico que levá-la pela vida afora. A mãe/mulher, principalmente, é a culpada mór de todos os males, reais ou fictícios.
Leia "As cinzas de Ângela" (um romance inacreditavelmente belo e igualmente ignorado, e que já virou filme): fez desaparecer metade das minhas culpas.
Bjs
nossa, hoje ainda é dia 9!rs
Tina, acho que fazer o melhor que a gente puder dentro do nosso quadrado já tá bom demais.
Menas culpa, porque culpa é uma merda. E, muito provavelmente na maioria dos casos, não é majoritária ou inteiramente nossa.
A pergunta é: como faz para não sentir?
Bj
Rita
Eu precisei fazer terapia, análise pra me livrar da minha. Mas às vezes, lá no fundinho, um resquício dela ainda se assanha. É uma merda.
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