terça-feira, 3 de abril de 2012

Não és mais minha amiga

Tinha esse cara na faculdade. Ok, eu tinha uma quedinha por ele, era praticamente obrigatório. Ele era lindo. Brincando de flertar, acabamos amigos. Quase inseparáveis. Nossos programas eram basicamente cinema, lanchonete e horas de papo em sua kitinete. Como ele era mesmo muito lindo, nem sempre tinha tempo pra mim. Eu era a amigona divertida  pra qualquer hora e ele tinha outras amigas com quem se "divertir" ainda mais. Por mim tudo bem - mesmo porque eu adorava ouvir seus relatos amorosos. Mas aí fiz outros amigos. Uma turminha muito diferente da dele, que era um tanto quanto mauricinho. Logo me apeguei ao pessoal mais durango da Reitoria; nosso ponto de encontro era o restaurante universitário porque não tínhamos mesmo dinheiro para pagar almoço noutro lugar (os iguais se atraem, ah que besteira esse negócio de opostos). Sentia-me mais livre, mais adulta, apesar das bobeiras adolescentes - andávamos a pé longuíssimas distâncias, dividíamos os cigarros, bebíamos uma garrafa de cerveja como se fosse gim, em golinhos. Aí um belo dia meu amigo lindo, querido, começou a me cobrar - "tu não és mais minha amiga". Eu falava "pára de ser bobo, vamos ao cinema. me conta alguma coisa, vamos estudar pra prova". "Mas você saiu com os outros amigos no domingo e nem me chamou". Bem, se eu o chamasse ele iria, sei lá, acabar apanhando dos trogloditas do Centro Acadêmico. Há turmas e turmas, eu circulava por elas, mas nem sonhava em misturá-las. Não há Martin Luther King que integre acadêmicos marxistas ao pessoal do Jeep Club. E ele não entendia. "Não és mais minha amiga", choramingava, pedindo provas de amizade. Tomamos nossa coca-cola com empadão da Galeria Ritz outras vezes, fomos ao cinema, andamos pela XV, trocamos alguns segredos. Aí na semana seguinte ele investigava o que eu tinha feito de meu domingo - reunir-me com a outra turma para ver Twin Peaks depois do Fantástico, por exemplo - e eu contava, ingenuamente, pensando que ele ainda participava da minha vida. Mas não. Só se incomodava com o tempo e o espaço para os quais não era convidado. "Não és mais minha amiga". Até que realmente, não era mais.


9 comentários:

Rita disse...

Esse negózdi misturar turma dá certo não.

Caminhante disse...

Esse negócio de gente que cobra e se queixa não dá.

Luciana Nepomuceno disse...

"até que realmente não era mais". sei como é. de vez em quando dói, mas geralmente nem se sente. isso é o mais triste, penso eu.

Cristiane Rangel disse...

Cobranças. A gente vive sendo cobrada. Amigo cobrar é que é a parte triste. Tks!

nilus queri disse...

"Só se incomodava com o tempo e o espaço para os quais não era convidado" é genial, cri.

Graziela disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Graziela disse...

Adoro a forma como vc escreve; ja' te disse ne?
Ah, os relacionamentos afetivos. Nem tem o que comentar.
xxx
Gra

Patricia Scarpin disse...

Ano retrasado chamei algumas amigas (de lugares diferentes) pruma pizza no meu aniversário e foi um desastre. Misturar turmas não dá certo. E eu acho uma pena isso. :(

Augusto Arbustus disse...

A maior prova de amor ou de amizade é justamente não ter de provar nada.