sexta-feira, 25 de maio de 2012

Tentação

Outro dia saí pra almoçar e passei uns minutos andando a esmo por ruas que não conhecia. Um casalzinho andava quase ao meu lado e no mesmo ritmo que eu. Foi impossível não prestar atenção ao papo. Era algo como "eu não vou ceder, não posso, por mais que ele queira, eu vou ser forte, vou ganhar dele". O moço, novinho, falava com muita convicção e a menina, seríssima, olhava pra baixo, andando abraçada a ele. Uma cena comovente e fiquei imaginando se seria uma situação complicada no trabalho, na família, no romance.

Ele continuou - e eu, de orelha em pé, observando flores numa casa para disfarçar o interesse. "O demônio pode me tentar, mas eu vou ser forte, o capeta não é nada pra mim, vai me chamar, vai me buscar mas eu não vou cair na dele, não vou". 

Qual seria a tentação que fazia a presença do capeta tão clara? Sexo, droga, vagabundagem - a culpa é do Diabo tentando. Estranho essa fé tão irrestrita no Mal. Mas o Mal é a tentação, a fraqueza. E realmente são sensações muito presentes. É preciso dar nome, corpo, cara feia para elas. Eu querer me drogar, fazer o sexo ilícito, largar o emprego, são vontades fortes demais. Mais do que ser bom, competente, correto (estou sendo irônica, você sabe). 

Me deu uma pena e não foi a de sempre, da ignorância, da submissão à igreja que seja que o moço frequenta. Pena do medo que se tem das próprias fraquezas e da rigidez com que ele vai encará-las a vida toda. As fraquezas dele são O Capeta, e não é praxe tentar compreender o Diabo, conversar com ele, como se conversa (e como) com Deus. 

Aí eu volto àquela conclusão óbvia, batida, mas que fica esquecida e às vezes me impacta. O Inferno somos nós. 

9 comentários:

Caminhante disse...

Deve ser sexo, né? Fico com muita dó de quem acha masturbação (que dirá o resto) pecado. Imagine como é se sentir um fracasso ou tentado cada vez que cede a algo que corpo pede?

Graziela disse...

Tina como e' dificil encararmos nosso lado "nao muito bom" digamos assim (apesar de quem disse que sexo, bebida e outras coisas nao sao boas, com equilibrio tudo e' bom).
Parece que deixar de ser bom e' ser do mal, nao existe o meio termo. Enquanto os pais, continuarem perpertuando essas ideias e ensinamentos, cada vez mais teremos jovens vivendo esses conflitos internos interminaveis.
Valha-me nossa Senhora, de nao cometer esse pecado.
Abracos
Gra
* parabens pelo texto otimo, como sempre.

Cristiane Rangel disse...

Ótimo texto! Eu sempre digo que conservamos, ao longo dos dias, nosso inferno particular. E é tanta coisa inserida ali dentro que ele acaba tomando proporções muito maiores do que poderia tomar o nosso céu. Me deu uma sensação de pena, de vida desperdiçada, de tanto a aprender. É a vida em mais uma faceta.

Deborah Leão disse...

Atualmente, a minha prosa no analista é sobre essa dualidade. Sobre o anjinho e o diabinho internos, sobre sermos nós mesmos a estar o tempo todo nos tentando, e caindo ou resistindo à tentação. Nós somos, ao mesmo tempo, a cobra, Adão e Eva. E Deus, porque também somos nós que aplicamos a punição. Não é à toa que é mais fácil acreditar no capiroto. Passa aí outra maçã.

Fatima Valeria disse...

Nova postagem:www.expressaempalavrasearte.blogspot.com
Abraços

nilus queri disse...

concordo com vc. sempre acho que o sartre estava errado.

Rita disse...

Li seu texto e também senti pena, mas foi a de sempre. Pena da submissão. Fico mesmo impressionada.

bj.

Marissa Rangel-Biddle disse...

Mas não tem um componente de prazer aí nessa submissão toda?

Anônimo disse...

ahhh com certeza é droga...e ainda bem que tem o diabo pra culpar kkkkkk bj da mana