sábado, 15 de agosto de 2009

Sócrates, Dr. Sócrates e a Filosofia de Boteco

Em 1982 a Seleção Canarinho foi pra Espanha. No avião os jogadores tocavam um sambinha e davam entrevistas exclusivas pra Globo (bem, naquela época acho que só a Globo tinha verba mesmo). Num canto, fazendo pose com um livro na mão, Sócrates, *o* Cara do passe de calcanhar, corintiano, líder da democracia corintiana, lia um livro. O repórter vai e pergunta qual era o livro - Filosofia, ele responde. E dá-lhe matéria traçando paralelo entre Sócrates, o mestre de Atenas, e o Dr. Sócrates, o doutor da seleção.
Neste momento, num ponto perdido do interior do Paraná, um menino de 11 anos, corintiano, se impressiona com a reportagem e guarda a informação "Sócrates - Filosofia" para um futuro próximo, em que passará a frequentar a (única) biblioteca pública da cidade.

Salta aí uns 15 anos no tempo.

Morávamos em Ribeirão Preto. Marido fazia mestrado em Filosofia e já dava aulas. Tínhamos saído da fase "como vamos pagar a porra desse aluguel" pra "já dá pra tomar umas cervejas". E tínhamos o melhor boteco pra isso do lado de casa: o bar da dona Elza, carinhosamente apelidado de balcão do INSS graças, lógico, à faixa etária dos frequentadores. Inclusive tinha uma barata empalhada numa parede que fazia parte do acervo arqueológico. Graças a deus eu morava ao lado e nunca precisei usar o banheiro. Bem, lá conhecemos pessoas interessantíssimas, entre as quais um ex-jogador de futebol, muito magro, funcionário dos Correios, que trabalhava na expedição durante a madrugada e ia, todo fim de tarde, encher o tanque antes do trabalho. Ele tomava cerveja preta daquelas de garrafa pequena junto com um copinho de Steinheger.


(Anos depois ficamos sabendo que ele fez um transplante de fígado e não bebia mais. Certo Natal demos a ele, de presente, o Cartas na Rua, do Bukowski, e ele adorou. Esqueci seu nome)
Então que nosso amigo carteiro tinha um colega de futebol na adolescência apelidado de Caveira. Era o Dr. Sócrates. UAU! Queríamos detalhes. O carteiro contou que de vez em quando o jogador, pessoa mais ilustre da cidade, visitava seu amigo cantor, que se apresentava num restaurante ali perto.
Pronto, começamos a bater ponto no restaurante. Todo sábado, praticamente. Não esqueçam que eu tinha um pôster do Sócrates ao lado do Michael Jackson no meu quarto aos 14 anos... Viramos habitués e comíamos sempre um filé à Chateaubriand meio duro, porém cheio de champignon e ervilha - eu infelizmente sempre tive que respeitar o gosto do marido pela Filosofia e pelos champignons. Era barato e a cerveja suuuper gelada. Mas o melhor era a música ao vivo do tal amigo músico.
Eram agradabilíssimas as noites ouvindo o Bueno cantar só o melhor do samba e da MPB. Esquecemos do Dr. Sócrates (um dia eu até o vi passar de carro, no centro, e dei um tchauzinho patético pro meu ídolo). Minha preferida era "gripe cura com limão, jurubeba é pra azia, do jeito que a coisa vai o boteco do Arlindo vira drogaria"

Até que finalmente o Bueno - estávamos praticamente íntimos - disse "hoje meu amigo doutor vem aí" e disse que ia apresentar o marido pra ele, pra conversar sobre Filosofia. Imagina. Lá pela meia-noite chegou Sócrates e sua trupe. Fomos apresentados. Conversamos. Quer dizer, eu disse oi. Marido contou a história da reportagem sobre o livro de Filosofia no avião e ele morreu de rir. Disse que pelo menos pra despertar o interesse do marido pelos livros aquela Copa tinha servido... foi legal. Lá pelas duas da manhã, Sócrates quis cantar com o Bueno. Achamos divertido. Só que ele pegou o microfone e começou a cantar composições próprias. Tipos, ´ai minha família que veio desbravar o interior´... Climão no restaurante, mas todo mundo lá respeita o Dr. Sócrates.

Depois disso abriu-se a porteira. Sócrates ia todo final de semana. Não deixava o Bueno cantar. Monopolizava o microfone e a cerveja. Saíamos de casa pra ouvir o Bueno e tínhamos que aguentar o Sócrates. Que ainda por cima, nunca convidou o Raí.
Moral da história: mantenha distância dos ídolos. Eles podem ser chatos.

E daí se percebe por que eu gosto tanto e linko tanto o Futebol dos Filósofos. (só mais essa, tá?)

10 comentários:

Unknown disse...

hahahhah
Queria conhecer a Bjor de perto! Mas nao tenho nada pra falar pra ela!!
Ja li Misto-quente do Burowski e achei uma pornografia barata! Prefiro a pornografia do Hnery Miller, acho mais filosofica!

Ivan disse...

ahahaah. que massa Tina. vc teve sorte. imagine que chato deve ser o Zico, coitado, com aquele jeitão de carioca suburbano. ahahah

Tina Lopes disse...

Asnalfa, pornografia? Só posso te recomendar Cartas na Rua e esperar que você leia sem esse tipo de preconceito. Outro dia eu comento mais sobre o velho Hank.

Ivan, lembra q em 82 havia os Ziquistas e os Socratistas? Aposto que tua flamenguice vem da época do Zico tbm. E sim, deve ser outro chato.

Camila disse...

Tina, eu estudei com o filho do Sócrates (ele era discretíssimo, só descobrimos quem ele era no segundo ano de faculdade, quando saiu uma matéria no jornal falando dele) e na formatura rolou O barraco no banheiro masculino, pq uns meninos, bêbados, foram tirar satisfacao com o Sócrates, que tb tava bêbado... (foram encher o saco dele, defendendo o Zico, pode?)

Anônimo disse...

hahahahahahahahaha climão mesmo heim.
Putz, que legal vc falar do Bukowski, caramba, eu li esse faz um tempão, saudades, eu o deixei aí no Brasil na casa da mãe.
Então, vc falou do Dr. Sócrates, a colega comentou do filho, mas o Raí, sei não. Um colega meu, comentou que foi lá conversar com ele, e o mesmo não foi nada acessível, é bem nariz empinadinho mesmo.
Sei lá, vai saber né? vai ver não tava nos dias dele, mas eu não curto muito o Raí pra ser sincera.
bjs
madoka

Tina Lopes disse...

Camila, que coisa hein! Eu lembro do filho do Sócrates, ele ia junto no restô, e era gatinho, hahaha. Puxou o tio.

Madoka, eu sou suspeita, amo Bukowski e há quem não entenda. Cartas na Rua, Misto Quente, O Capitão Deixou o Navio e os Ratos Tomaram Conta (algo assim, haha)são os meus preferidos. Já escrevi uma coisinha ou outra sobre ele, aqui. Aliás, sabe né, que Pergunte ao Pixel é uma homenagenzinha besta ao Pergunte ao Pó, do John Fante, escritor favorito do Bukowski (junto com Celine, acho). Enfim. O Raí eu só acho bonitão mesmo. Nem daria tchauzinho pra ele.

Patricia Scarpin disse...

Eu não vejo graça no Raí, nunca vi - aliás, nem acho que ele jogava tanta bola assim. Lembro pouco do Sócrates jogando, sempre assisto aos vídeos, curto muito aquela Copa de 82 - o João me ajuda muito nisso, sendo 10 anos mais velho que eu me conta umas histórias bacanas da época; ele é muito fã do Zico mas também adora o Sócrates.

Ah, Tina, adorei a história. Vou mandar pro marido ler.

Anônimo disse...

Tina,
Pois é, um livro leva ao outro não é mesmo. Conheci o John Fante, porque o Bukowski falou do idolo no livro, e claro tbém amei, aliás os dois né. Isso já faz um tempo, tá na hora de relê-los. Temos algo em comum.
Pra falar a verdade, eu nem acho o Rai Bonito, fico com o Dr. rs.
madoka

Anônimo disse...

Cris,

A gente frequentava o boteco, onde o Sócrates era freguês, o Empório Brasília, no centro, lembra? Lá tem até uma placa na parede em cima da que foi "decretada" a dele. Mas, infelizmente, você não deu sorte de encontrá-lo. Eu o vi uma vez, mas naquele dia só passei por lá. Nossa, a gente deu boas risadas naquele barzinho juntas. Uma vez, levamos até a Susana pra lá. hahaha
Saudades, beijos.

Denise disse...

Ops, me esqueci de assinar. Sou a Denise, tá? rsrs